23.09.2019
Bem-vindos ao Ponto Digital do Sesc Jazz!
Aqui você encontra entrevistas e reportagens exclusivas, com textos, vídeos e imagens que mostram o universo do festival dentro e fora dos palcos. Uma celebração aos sons, experimentações e encontros do jazz!
Para inaugurar este espaço, batemos um papo com Robinho Santana, convidado para criar os retratos de todos os artistas que fazem parte da programação do Sesc Jazz 2019.
Nascido e criado em Diadema, ele conta como foi criar os retratos de músicos do mundo todo, e como esse trabalho dialoga com sua obra, que busca dar protagonismo às pessoas negras e periféricas:
A música tem um papel importante na sua vida desde cedo, não é? Como ela se relaciona com seu trabalho artístico?
Meu pai presenteou a mim e a meus irmãos há muitos anos com o disco Raio X do Brasil, do Racionais MC’s. Com 10 ou 11 anos de idade eu sabia cantar as músicas “Fim de semana no parque” e um “Homem na estrada” do começo ao fim. Sem dúvida nenhuma os Racionais MC’s tiveram um papel muito importante na minha vida, porque além dos meus pais, eles também me ensinaram através das suas letras o que era ser um homem negro periférico. Meu trabalho tem total relação e inspiração na música, principalmente nas que têm resistência em seu DNA, assim como o rap, o samba, o jazz, o soul, o afrobeat, o punk e demais manifestações musicais que nasceram do povo. Fela Kuti diz: “music is the weapon”. Eu adapto para: “A arte é uma arma, de luta contra a opressão!”.
Figuras negras e periféricas são marcantes em sua obra. Por que a representatividade é tão importante?
Se sentir representado faz com que você tenha uma nova visão do mundo ao seu redor, faz com que se inspire a estar em outro lugar, que não somente o que a sociedade lhe colocou! É muito importante nos sentirmos lindos, pois assim somos; é muito importante nos sentirmos fortes, pois assim somos; é muito importante nos sentirmos amados, pois assim continuamos vivos. E é muito importante ver os nossos ocupando todos os espaços e inspirando outras pessoas a estarem naquele lugar também.
Eu, assim como várias pessoas negras da minha geração, quase não tive representatividade digna durante minha criação. Não sabia que as artes eram um campo que eu poderia frequentar, até que em minha fase adulta descobri Jean Michel Basquiat. Ness momento eu me vi e entendi que ali era o lugar em que eu queria estar.
O lugar onde você nasceu está muito presente em sua arte. Você ainda vive lá? Como isso afeta ou afetou o seu trabalho e a vida como artista?
Eu sou nascido e criado no Jardim Ruyce, mais um bairro periférico da cidade de Diadema, bairro multicultural com pessoas lindas e talentosas para além de suas profissões. É o poeta que é pedreiro, o mecânico que é escultor, o professor que é ator nas horas vagas e uma pluralidade de pessoas, assim como em vários bairros. Diadema é uma cidade que foi palco de luta e resistência dos trabalhadores metalúrgicos nos anos 80, que eu vivi de perto, mas que, infelizmente, tem pouco apoiado os artistas da região. Hoje moro no bairro do Bixiga, no centro de São Paulo, na busca de facilitar a minha vida como artista. Nascer e crescer numa periferia e escolher viver de arte é por si só um ato de coragem, pois é preciso força pra resistir em um espaço e em um mundo que não foi construído pra gente. Enfim, hoje aqui, antes lá, os motivos pra lutar ainda são os mesmos!
Como foi fazer os retratos do Sesc Jazz? Como isso dialoga com o seus outros trabalhos e suas pesquisas artísticas?
Eu fiquei muito feliz com o convite, sou frequentador dos shows do Sesc há anos, já vi shows incríveis como Femi Kuti, Erykah Badu, Charles Bradley… Eu sabia que seria um desafio por conta do tempo e da quantidade, mas poder fazer um trabalho relacionado com o jazz, que eu tanto aprecio, é um prazer enorme. Diferentemente do meu trabalho e de minha pesquisa artística, nos quais eu busco retratar pessoas que não são conhecidas ou sequer existem, na intenção de que qualquer um que entre em contato com a obra possa se sentir representado; nos trabalhos do Sesc Jazz eu busquei, dentro de minhas limitações, retratar fielmente os artistas – mas isso não tira o poder do reconhecimento e da representatividade do artista com o público!
Você já conhecia alguns desses artistas que retratou? Procurou ouvir os sons ou saber das histórias?
Eu sou fã de Sun Ra e de Art Ensemble of Chicago. Talvez saber que eles iriam participar do evento me motivou mais a aceitar este desafio. Eu sempre pesquiso e estudo sobre tudo o que eu vou falar em minhas obras e o processo do Sesc Jazz não foi diferente. Pra mim foi muito rico, pois eu me propus a ouvir todos os artistas respectivamente na hora que os pintava. Foram dias de músicas boas em minha cabeça, descobri coisas magníficas como Jonathan Ferr, Yissy Garcia, Yazmin Lacey, Orlando Julius, Loonie Holley (que também tem um trabalho de artes plásticas incrível), dentre outros que certamente vou querer ver ao vivo.
Entrevista e edição: Cris Komesu, editora web do Sesc Digital.